O Manual do Ator

Trechos selecionados do livro: “O Manual do Ator”
(Constantin Stanislávski) Ed. Martins Fontes



Ação:
“Em cena, vocês devem estar sempre representando alguma coisa; a ação e o movimento constituem a base da arte (...) do ator, (...) mesmo a imobilidade exterior (...) não implica passividade. Vocês podem estar sentados sem fazer nenhum movimento e ao mesmo tempo estar em plena atividade.”

“(...) Frequentemente a imobilidade física é resultado direto da intensidade interior. Portanto, (...) vou colocar as coisas nos seguintes termos: em cena é necessário agir, não importa se exterior ou interiormente. Tudo o que acontece em cena tem um objetivo definido. (...) No teatro, toda ação deve ter uma justificativa interior, deve ser lógica, coerente e verdadeira (...) e, como resultado final, temos uma atividade verdadeiramente criadora”.


Análise:
“Seu objetivo é tentar descobrir estímulos criadores para atrais [estimular] o ator, sem os quis não pode haver nenhuma identificação com o papel. O objetivo da análise é o aprofundamento emocional da alma de um papel.”

“A análise é um meio de vir a conhecer uma peça, isto é, de senti-la. (...) Isso significa que durante o processo de análise, é preciso usar a mente com o máximo de prudência.”


Aqui e agora:
“Quanto ao estado criador de um ator, é extremamente importante que ele sinta o que chamo de “Eu Sou”. Existo aqui e agora, como parte componente da vida de uma peça, em cena. (...) A forma de ajudar um ator a descobrir-se em seu papel e a descobrir o papel em si próprio (...) é deixá-lo decidir, com sinceridade, como responder à pergunta: O que eu faria aqui e agora se, na vida real, tivesse que agira em circunstâncias análogas àquelas determinadas pelo meu papel?”


Atenção – Concentração:
“Um ator deve ter um ponto de atenção, e esse (...) não deve estar na platéia.”

“Quando a atenção de um ator não está voltada para os espectadores, (...) ele adquire um domínio especial sobre os mesmos (...) forçando-os a participar ativamente da vitalidade de sua arte.”


Ator como senhor de sua arte:
“É preciso ser um grande artista para expressar as paixões e os sentimentos elevados – um ator cuja força e técnica sejam extraordinários. (...) Sem [essas últimas] um ator é incapaz de transmitir as esperanças e sofrimentos do homem.
A falta de entendimento e instrução dá um caráter de amadorismo à nossa arte.
Sem um completo e profundo domínio de sua arte, um ator é incapaz de transmitir ao espectador, tanto a concepção e o tema quanto o conteúdo vivo de qualquer peça.
Um ator cresce ao longo do desenvolvimento de seu trabalho. (...) Depois de alguns anos de estudo [um ator] aprende a seguir, por si mesmo, o curso de ação ideal (...) e, tendo aprendido a realizar adequadamente o seu trabalho, torna-se senhor de sua arte.”


Atuação em conjunto:
“Suponhamos que um ator, num produção cuidadosamente preparada, (...) afaste-se tanto da verdadeira representação de seu papel, que passe a atuar de forma rotineira e inteiramente mecânica. Terá ele o direito de fazê-lo? (...) Ele não participou sozinho da produção da peça nem é o único responsável pelo trabalho realizado na mesma. Num empreendimento desse tipo, cada um trabalha por todos, e todos por um. Deve haver um sentimento de responsabilidade recíproco. (...) A despeito de minha grande admiração pelos extraordinários talentos individuais, não aceito nenhuma forma de estrelismo; o esforço criador em comum está na raiz da arte que praticamos. É uma atividade que requer uma atuação em conjunto, e quem quer que destrua este esforço comum estará cometendo um crime (...) contra a própria arte à qual se dedica. O público gosta de nos ver em peças em que temos um superobjetivo (...) claramente definido, e uma linha de ação contínua bem desenvolvida. (...) Isto inclui tudo: atuação em conjunto, bons atores e uma compreensão adequada da peça produzida.”


Autocrítica:
“Temam os seus admiradores! Aprendam, no devido tempo, a entender e a amar a verdade cruel a respeito de si próprios. (...) Falem a respeito de sua arte somente com aqueles que podem lhes dizer a verdade.
A maioria dos atores tem medo da verdade, não por serem incapazes de suportá-las, mas porque ela pode destruir, no ator, a fé que ele tem em si próprio.”


Caracterização e transformação:
“Afirmo que todos os atores devem lançar mão de caracterizações. Claro está que não devem fazê-lo no sentido das características exteriores, mas sim das interiores.”

“Qualquer papel que não inclua uma verdadeira caracterização será pobre, falso para com a vida; e o ator incapaz de exprimir o caráter dos papéis que representa é um ator monótono e pobre de recursos.”


Crítica intolerante:
“Um crítico intransigente pode enlouquecer um ator e reduzi-lo a um estado de impotência. Procurem a falsidade apenas até o ponto em que esta busca os ajude a encontrar a verdade. Não se esqueçam que um crítico implacável pode criar mais falsidade em cena do que qualquer outra pessoa, pois o ator contra o qual se volta a sua crítica deixa, involuntariamente, de seguir seu caminho certo, e exagera a própria verdade ao ponto de torná-la falsa.
Um crítico calmo, sábio e compreensivo é o melhor amigo do artista. Ele não os importunará constantemente por causa de ninharias, mas estará sempre atento à substância do trabalho de vocês.”


Entonação e pontuação:
“Os sinais de pontuação requerem entonações vocais específicas. (...) Sem tais entonações, eles são incapazes de cumprir suas funções. (...) Cada uma destas entonações corresponde a um determinado efeito; o ponto de exclamação para os sentimentos solidários, aprovação ou protesto; dois-pontos requerem um exame atento daquilo que vem a seguir, e assim por diante.”


Estímulos à memória emocional:
“Geralmente tem-se a impressão de que o diretor usa todos os recursos materiais de que dispõe – cenário, iluminação, efeitos sonoros e outros acessórios – com o objetivo básico de impressionar o público. Na verdade o que ocorre é o contrário. Usamos tais recursos mais em função do efeito que exercem sobre os atores, (...) [como] estímulos externos (...) calculados para criar uma ilusão de vida real e da intensidade de seus estados de espírito.”


Ética no teatro:
“Há outro elemento (...) que contribui para promover um estado dramático que estimula a criação. (...) Vamos chamá-lo de (...) ética. [O ator] precisa de ordem, disciplina e um código de ética, não apenas para as circunstâncias gerais de seu trabalho, mas também, e especialmente, para atingir seus objetivos (...) artísticos. (...) Um ator (...) está sempre sob os olhos do público, exibindo seus melhores atributos, recebendo ovações, aceitando elogios extravagantes, lendo críticas pródigas em louvores – e tudo isto provoca, no ator, uma ânsia incontrolável de ter sua vaidade pessoal constantemente estimulada. Mas se ele restringir-se a esse tipo de incentivo estará sujeito a decair e a tornar-se banal. Uma pessoa séria não se deixaria entreter muito tempo por esse tipo de vida, mas uma pessoa medíocre deixa-se fascinar, corrompe-se e acaba sendo destruída por ele. Eis por que, em nosso mundo do teatro, devemos ser capazes de nos manter sempre sob controle. (...) Sua conduta deve ser norteada pelo seguinte princípio: Amem a arte em vocês, e não vocês na arte.”


Falas:
“As palavras, e a maneira de dizê-las, são muito mais reveladoras em cena do que na vida real. (...) Um ator deve conhecer sua própria língua em todos os seus pormenores. Que valor podem ter todas as sutilezas da emoção, se forem expressas numa linguagem medíocre?
As falas, tão repetidas nos ensaios e em inúmeras representações, acabam sendo mecanicamente repetidas. O conteúdo interior do texto se esvai, e tudo o que resta é uma sonoridade mecânica.
Preservem as suas falas por duas importantes razões: para que não sejam gastas pelo uso, e para que nenhum palavreado oco venha perturbar a configuração básica do subtexto.”
Gesto:
“O gesto pelo gesto, sem significado interior, não tem nenhuma função cênica. De nada nos servem os métodos de balé e as poses ou gestos teatrais, que são superficiais em sua origem. Eles não podem exprimir a vida de um espírito humano.”

“Um gesto que, em si, não tenha nenhuma afinidade com a ação relativa a um papel não tem nenhum propósito em cena, a não ser em alguns casos muito raros, em que está ligado às características de um determinado personagem.”


Memória:
“Em momentos de intensa criatividade, nossa memória pode falhar (...) e quebrar a continuidade da linha de transmissão do texto verbal da peça. (...) Esta preocupação de lembrar-se das palavras, quando um ator está inseguro de si, (...) priva-o (...) da capacidade de entregar-se livre e (...) inteiramente à intensidade de seu espírito criador. (...) Ter boa memória é um requisito fundamental para um ator.”


Meu sistema:
“A primeira proposição é: não existem fórmulas (...) sobre como tornar-se um grande ator ou representar este ou aquele papel.
(...) Um ator precisa ser: a) fisicamente livre, tendo sob seu controle músculos livres; b) sua atenção deve ser infinitamente vigilante; c) deve ser capaz de ouvir e observar, em cena, da mesma forma como faria na vida real, isto é, deve manter-se em contato com a pessoa com quem contracena; d) deve acreditar em tudo o que estiver acontecendo em cena e tenha ligação com a peça.”

“A segunda proposição é: um verdadeiro estado interior de criação em cena permite a um ator executar as ações que lhe são necessárias para que possa ajustar-se às circunstâncias da peça, tanto as ações psicológicas interiores quanto as ações físicas exteriores.”

“(...) Descubram todas as razões que justificam as atitudes tomadas pelo seu personagem e então ajam sem refletir sobre onde terminam as suas próprias ações e começam as “dele”.”

“A terceira proposição é: a ação orgânica sincera (...) resultará certamente na expressão de sentimentos sinceros.”

“A força deste método está no fato de ele não ter sido (...) inventado, (...) mas de se basear nas leis da natureza.”


Observação:
“Um ator deve ser observador não só quando está em cena, mas também na vida real. Deve concentrar-se, com todo o seu ser, em tudo o que chame sua atenção.”



Pausas nas falas:
“O primeiro trabalho a ser feito com a fala ou com as palavras é dividi-las em medidas e determinar as (...) pausas. (...) A pausa lógica configura mecanicamente as medidas, frases inteiras do texto, e assim contribui para a (...) inteligibilidade; a pausa psicológica dá vida aos pensamentos. (...) [É um] silêncio eloqüente.
Existe um outro tipo de pausa, (...) que é suficiente apenas para uma breve inspiração de ar. (...) A pausa é um elemento importante (...) em nossa técnica de falar.”


Preparação anterior à representação:
“Antes de cada representação, a maioria dos atores se veste e se maquia para que sua aparência exterior se assemelhe à do personagem que vão representar. Esquecem-se, porém, da parte mais importante, que é a preparação interior.
A preparação interior para um papel desenvolve-se da forma como segue: em vez de correr para o seu camarim na última hora, um ator deve (principalmente se tiver um grande papel) chegar lá 2 horas antes de entrar em cena e começar a pôr-se em forma.”


Rosto:
“As expressões faciais são provocadas de forma espontânea e natural, sendo uma decorrência da intuição e dos sentimentos interiores. Sua eficácia, porém, pode ser aumentada através do exercício e do desenvolvimento da flexibilidade dos músculos faciais.”


Subtexto:
“No momento da representação, o texto é fornecido pelo dramaturgo e o subtexto, pelo ator. (...) Se assim não fosse, as pessoas não iriam ao teatro, mas ficariam em casa lendo a peça.
Para um ator, as palavras não são meros sons, mas sim desenhos de imagens visuais.”


Talento:
“Não é fácil definir ou analisar o talento. (...) Em geral, ele está oculto nas profundezas, (...) e é difícil evocá-lo.
Talento é a feliz combinação de muitas faculdades criadoras numa pessoa, dirigida por sua vontade geradora.
A técnica existe, sobretudo, para aqueles que possuem talento [e] inspiração. (...) Quanto mais talentoso for o ator, mais ele se preocupará com sua técnica.”


Tempo-ritmo da fala:
“Letras, sílabas, palavras: são estas as notas musicais da fala, a partir das quais formam-se compassos, árias, sinfonias inteiras.

Muitos atores que descuidam da fala e não prestam atenção às palavras, pronunciam-nas com uma velocidade tão irrefletida e estouvada, sem arrematá-las de forma clara e inteligível, que terminam por dizer frases pela metade, quando não inteiramente mutiladas.
Um exercício muito proveitoso para vocês seria o da leitura bem lenta e em voz alta, registrada de modo preciso por um metrônomo; durante essa leitura, vocês devem ter o cuidado de manter o fluxo suave das palavras em compassos rítmicos, e também criar, para si próprios, a base interior adequada para a realização de seus exercícios.”


Verdade artística – beleza natural:
“A verdade cênica não é a pequena verdade exterior que leva ao naturalismo. (...) É aquilo em que vocês podem acreditar com sinceridade. (...) Para que seja artística aos olhos do ator e do espectador, até mesmo uma inverdade deve transformar-se em verdade. (...) O segredo da arte é converter uma ficção numa bela verdade artística. (...) A partir do momento em que o ator e o espectador passam a duvidar da realidade [da vida do ator na peça], a verdade se esvai, e com ela a emoção e a arte. Elas são substituídas então, pela simulação, pela falsidade teatral, pela imitação e pela atuação rotineira. Natureza e arte são (...) indivisíveis.”

“Ministério Atos de Teatro ”
 
Paróquia Santa Edwirgens e São Miguel Arcanjo

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